O que eles falam sobre o jovem não é sério

"Eu vejo na TV

O que eles falam sobre o jovem não é sério

O jovem no Brasil nunca é levado à sério"

                            (Charlie Brown Jr.)


Desde o lançamento da música "Não é sério" em 1997, denunciando diversas violências contra a juventude, muita coisa deveria se tornar séria para adolescentes e jovens brasileiros. Nos dias 26 e 27 de Abril, participei do 22º Congresso Nacional do PPCAAM - Programa de Proteção à Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, que foi realizado no Ministério Público de Porto Alegre. Me parece que já nos acostumamos com notícias como "a juventude preta é a que mais morre no Brasil" ou "adolescentes são cada vez mais cooptados pelo tráfico de drogas e cometem crimes cada vez mais violentos". No entanto, não estamos levando essas notícias à sério. 

Também já li em outras fontes afirmações tidas como verdades absolutas sobre a juventude: são mimados, medrosos, não se interessam por política, demoram mais tempo para saíram da casa dos pais e por aí vai. Eu me perguntou porque será que somente se lembra que somos um país jovem quando se aproximam as eleições. Onde estão as políticas para a juventude no período que vai de uma eleição à outra? Também me pergunto porque existe uma confusão entre "Políticas para a Juventude" e trabalho. Uma vez que jovens de classe média certamente terão uma família que lhes protejam para que consigam pelo menos concluir o ensino médio. Mas vale lembrar da esmagadora classe média-baixa brasileira, em que adolescentes e jovens sofrem preconceito racial, mal conseguem concluir o ensino fundamental e estarão sujeitos (as) à subempregos, entre eles o tráfico de drogas, para o sustento de si mesmos e de suas famílias. 

Se isso não fosse verdade, dezenove estados brasileiros não precisariam parar suas rotinas para discutir e dialogar sobre os direitos violados (o principal deles, o direito à vida) e a mortalidade de adolescentes de todo o país. Como bem lembrado no 22º Congresso do PPCAAM, se as políticas para a junventude deste país funcionassem ou ao menos perdurassem, o próprio Programa não precisaria existir: crianças e adolescentes seriam protegidas e não ameaçadas de morte.

E quais, então, seriam as saídas possíveis para dar solução à questão da juventude? É unânime que se começa pela escola, na educação, que também atravessa uma crise avassaladora. Os currículos educacionais pouco sustentam o interesse de jovens no ensino. Hoje, se questiona mais sobre o papel da escola, ainda que se reconheça sua importância - mas, o que se faz lá? Os e as jovens chegam à escola com demandas da própria juventude, seus desdobramentos e implicações, somadas à outras demandas que nós adultos pouco nos damos conta também: a começar pelo capitalismo atravessando nossas vidas e nos ditando modos e meios de nos tornarmos cada vez mais felizes. 

Diante disso, enfrentamos uma pandemia de depressão, ansiedade, suicídio na juventude, automutilação e crise existencial porque a todo instante o (a) jovem é convidado (a) a comparar sua vida com a vida de outros - e não importa quem, desde que esteja em situação desigual, aquém de seu desejo. Esta é a comunidade à qual o (a) jovem pertence: a do consumo como modo de existir. E nós, adultos, estamos preparados para lidar com isso? Estamos preparados para acolher a dor e sofrimento de nossos (as) jovens, que majoritariamente não têm escolhas? Ou você acredita, mesmo, que qualquer adolescente da favela consegue, pela própria vontade e empenho, ascensão social. Se isso fosse verdade, porque seus pais, tios e avós já não fizeram esse caminho?

Cuidar da juventude é dever da sociedade tanto quanto cuidar das crianças. Importante lembrar da capacidade criativa e do potencial de realização que esses (as) adolescentes possuem se incluídos em espaço adequado e acolhidos (as) de forma afetuosa. Eles (as) precisam urgentemente ser levados à sério e ouvidos. E cabe à nós, adultos, disponibilizarmos as ferramentas e o amparo necessário para que isso seja possível.


Shirley Silva Costa

Psicóloga - CRP RS 07/27644

@psicologiatodosdia

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