A saúde mental do homem

Imagem relacionada

Os tempos são outros. Foram-se os dias em que os homens somente iam ao médico ou levados pelas mães, quando crianças ou acompanhando a esposa em alguma consulta rotineira. Há homens que, infelizmente, ainda hoje, passam longe do hospital. Mas aos poucos essa realidade vem mudando e percebe-se que os cuidados em saúde também se estendem a eles; por que não?

A campanha que se lança no mês de novembro - Novembro Azul - tem o objetivo chamar atenção para os cuidados da saúde masculina. Consultas e exames simples, que se realizados com antecedência e frequência, podem evitar dores de cabeça no futuro. Chama-se muito a atenção para o câncer de próstata, que dependendo do tipo de tratamento e cirurgia, pode levar a consequências irreversíveis, como a impotência. Mas há também outras doenças silenciosas, como pressão alta, atrite, diabetes e depressão, que passam anos desconhecidas por seus portadores, que não gostam de ir ao médico.

Falando nisso, e a saúde mental do homem, como fica? Observamos em nossa sociedade que o homem é muito pouco estimulado a falar sobre seus sentimentos. Expor emoções, medos, ansiedade e inseguranças pode ser motivo de rechaço, piadas e bulling praticado por outros homens e até outras mulheres. É, infelizmente as mulheres tem sua taxa de contribuição ao estimular comportamentos tidos como machistas. Demonstrar sentimentos tão comuns a todos (independentemente de gênero, raça, crença religiosa ou cultura) pode ser tão ameaçador que a grande maioria dos homens preferem se isolar e calar. Porque o que está em jogo, o alvo de maior fragilidade é justamente a identidade masculina.

Desde tempos longínquos, a identidade masculina foi construída sobre a invalidação e desqualificação da feminina. Ser homem equivaleria à um não ser mulher. Para ser ou se tornar homem, haveria-se de não ser sensível, não ser romântico, não ter medo ou demonstrar fraquezas, não se sentir inseguro, indeciso e sua virilidade deveria ser máxima. Já as mulheres, sim, poderiam ser inseguras, indecisas, românticas, frágeis... E no senso comum masculino, tolas.

Acontece que esse modelo social de desigualdade de gêneros vem sendo muito questionado e criticado. Porque se trata de uma lógica de dominação, que acaba subjugando e anulando as mulheres do convívio social de uma maneira muito sutil, imperceptível, mesmo pelas próprias mulheres. É uma cultura tão entranhada na sociedade que é necessário um olhar muito atento. Olhares e ouvidos que chegam aos consultórios de psicologia e psiquiatria com o nome de "depressão" e "ansiedade".

"Doutora, meu marido não me deixa trabalhar! Eu lavo, passo, cozinho, cuido das crianças, levo na escola... E quando meu marido chega em casa, se eu estou cansada ele me critica, dizendo que eu não fiz nada o dia todo. Minha vida é muito vazia, doutora, não tenho ânimo para nada. Eu sou um nada dentro de casa". J., 35 anos, mãe de dois filhos, sete e quatro anos. O marido é comerciante e acha que seu salário é suficiente para sustentar a casa. Ele acredita que seus filhos precisam ter a mãe por perto.

"Doutora, eu trabalho o dia todo, passo pouco tempo com meus filhos. Busco as crianças na escola e ainda tenho que passar no supermercado no fim do dia, para fazer aquela comprinha do meio da semana. Eu pago todas as minhas despesas, pago a prestação do meu carro, salão de beleza, presentes para meus sobrinhos e mimos para minhas cunhadas. Queria fazer uma pós-graduação, mas meu marido já disse que não vai me ajudar. Não abre mão do futebol no final de semana para ficar com as crianças, enquanto eu estaria no curso investindo na minha carreira. Não acho justo pagar uma babá, já que ele poderia cuidar delas. E eu que segurei todas as pontas, grávida, quando ele fez MBA". S., 43 anos, tem uma filha de 11 e outro de sete. Seu marido apoia que S. seja independente financeiramente e pensa que ela investir na carreira é desnecessário, pois S. já possui tudo o que deseja.

"Doutora, não sei o que está acontecendo, acho que minha mulher está me traindo. Ela anda estranha, sempre foge de mim, não aceita meus carinhos, faz tempo que a gente não... Ela disse que o problema sou eu, mas se eu descobrir que ela anda me traindo, eu não sei o que sou capaz de fazer! Vou perder a cabeça, quase perdi uma vez!" A esposa de M. (37 anos) o levou à justiça quando sofreu uma luxação no braço, após uma discussão entre o casal. Na audiência, o juiz recomendou que M. procurasse psicoterapia, a fim de evitar consequências maiores.

Relações sociais doentias causam muito sofrimento psíquico. Muito já se foi dito em relação às conquistas femininas (em relação à educação, ao mercado de trabalho, à independência financeira, etc.) que aos poucos ganham espaço social. Contudo, ao mesmo tempo em que as mulheres se empoderam, se apropriam de sua condição de mulher, faz-se necessário e urgente a construção de uma nova identidade masculina, que não aquela pautada na negação do feminino. Em outras palavras: se para ser homem não cabe mais chamá-los de "mulherzinhas", frágeis, fracos, etc., etc., então, o que é ser homem? Quais são as marcos que afirmam a identidade masculina, somente pelo que ela é?

Acredito que atualmente esta identidade está se re-moldando, se reformulando. Cabe aos homens apropriarem-se de si mesmos, de suas vidas psíquicas, seus afetos e desafetos, entrarem em contato consigo através do autoconhecimento, buscando suas origens e alicerces para esta nova configuração de identidade masculina. Cabe às mulheres, um pouco mais avançadas nesse movimento, também buscarem um novo olhar para o masculino, que não somente aquele imposto pela cultura - o tal príncipe encantado, conhecedor de todas as coisas...

Ao novo, na maioria das vezes se antepõe uma crise. Estamos iniciando o atravessamento dessa crise identitária, assim digamos. Mas de uma coisa, estamos certos: nos moldes atuais de desigualdade de gêneros, vem sobrando cada vez menos espaço para manifestações de machismo, sejam elas conscientes ou não.

Abaixo seguem sugestões de material informativo que poderão ser úteis tanto a homens quanto para mulheres na busca dessa nova identidade:

The Mask You Live In é  um documentário que problematiza a cultura do estupro, trazendo reflexões sobre o que podemos fazer para enfrentá-la. Lançado em 2015, o filme aborda sobre o comportamento dos homens quanto à expressão de sentimentos, à construção da identidade masculina, à violência e seus diversos desdobramentos. Vale muito a pena assistir!

O movimento ElesPorElas (HeForShe) convida meninos e homens a se tornarem protagonistas pela igualdade de gêneros, colocando-os como parceiros "dos direitos das mulheres e detentores de necessidades próprias" a fim de alcançar este equilíbrio. O ElesPorElas (HeForShe) tem campanhas belíssimas, que buscam conscientizar e auxiliar os homens na construção e enfrentamento de suas necessidades.

Movimento Guerreiros do Coração é um projeto muito interessante voltado principalmente para homens em busca de si mesmos, da construção de suas identidades e de autoconhecimento. No site tem informações sobre como participar, agenda de reuniões e links para outros canais de comunicação do Movimento, como Facebook e Youtube.

Também sintam-se à vontade para sugerirem ferramentas, dicas, livros, filmes, etc., que contribuem com esta proposta onde, no final, todos saem ganhando.

Shirley Silva Costa

Psicóloga | CRP 07/27644

Contato: shirleyscost@gmail.com
Facebook: @psicologiatodosdias

Atendimentos:
Sábados - das 9h às 14h.
Av. Bento Gonçalves, 1403. Sl 1504. Bairro Partenon

Prumoclin. Rua Sofia Veloso, 159. Bairro Cidade Baixa

Porto Alegre - RS

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Música e Psicologia na promoção de saúde

Sobrecarga de Trabalho Mental das Mulheres

Sobre a romantização da maternidade