A boa vontade

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Como fazer para ter uma boa relação interpessoal? Diariamente convivemos com pessoas que trazem consigo um mundo interno muito particular. São histórias de vida, crenças, modos e trajetórias distintas, que tornam cada ser humano único. Sendo assim, constantemente somos desafiados a ter flexibilidade e muito jogo de cintura para conseguir driblar as diferenças e fazer das relações um instrumento de aprendizado e crescimento pessoal.

Por exemplo, se alguém da minha família acredita que a maneira A é melhor para a criação dos filhos que a maneira B (com a qual me simpatizo), não concordar com este familiar não necessariamente quer dizer que preciso aniquilá-lo ou até mesmo eliminá-lo. Pode-se tornar um exercício pessoal me colocar no lugar deste familiar de maneira empática (ou seja, considerando sua história de vida pessoal, etc., etc.) e melhor entender o que o faz crer neste ou naquele ponto de vista divergente do meu. Este exercício dá muito trabalho. Porque o tempo todo ele nos convida a nos desacomodar, a sair do nosso lugar estável e confortável para que possamos enxergar o outro. Dá trabalho porque nos deslocamos empaticamente até a realidade do outro (com quem não concordamos plenamente) e precisamos retornar para a nossa posição inicial. Contudo, quando retornamos, já não somos mais os mesmos. Já conhecemos melhor realidades de pessoas bem diferentes das nossas. E o exercício não acaba aí. Neste ponto, cabe a nós reavaliar, rever e revisar todos os nossos conceitos até então pré concebidos. O crescimento pessoal está neste movimento: sair da zona de conforto, conhecer a realidade do outro através da empatia, retornar para a própria realidade e desacomodar crenças e verdades absolutas.

Acontece que na maioria das vezes, o ponto para o qual somos convidados a nos desacomodar a partir do olhar do outro é justamente aquele que mais dói. São as relações parentais, entre colegas de trabalho ou de estudos, os relacionamentos amorosos e as desigualdades todas, de gênero, social, intelectual, cultural, etc. Narcisicamente, tendemos a fechar os olhos para aquilo que difere de nós. Tememos a mudança ou nos darmos conta de que o nosso jeito de agir ou pensar não é tão bom quanto pensamos que é. É difícil, se não horrível, reconhecer nossas próprias limitações e imperfeições - exercício este que se dá através do contato com o outro. Por isso é mais fácil rechaçar, criticar, julgar, chegando à extremos tão comuns (e que não deveriam ser) nas redes sociais de agressões verbais à pessoas conhecidas ou não. O sofrimento vem de ambas as partes: daquele que "odeia" todo mundo e esbraveja grosserias pelos cotovelos (os chamados haters) e daqueles que colocados na posição de odiados, os "diferentões", cujos valores e crenças divergem dos demais, sentindo-se um peixe fora d'água.

O processo de desacomodar-acomodar exige certa dose de energia psíquica e autoconhecimento. Muitas vezes, torna-se necessário um tempo para que estes pensamentos e ideias, agora reconfigurados, encontrem um novo lugar para se instalar. Com eles, outros sentimentos também serão experimentados e, por isso, será necessário um distanciamento, que com o auxílio do tempo possibilitará que este novo arranjo de ideias chegue no lugar e comece a funcionar.

Mas, então, o que falta para amenizar essas diferenças e acalmar os ânimos entre os desiguais? Falta boa vontade. Boa vontade e disposição para fazer aquilo que o exercício propõe, para abrir mão de um bate boca; boa vontade para pensar "bom, esta pessoa não tem as mesmas experiências de vida que eu, por isso, talvez hoje ela não me entenda. Mas um dia, quem sabe?". Boa vontade para pensar no bem comum, ou seja, aquele que não necessariamente irá me beneficiar, mas será benéfico para a maioria. Boa vontade para colocar a empatia em prática, porque, às vezes, a distância entre o cérebro (a razão) e o coração (a emoção) pode ser medida em anos-luz.

Gostamos e saudamos aqueles que nos tratam com cordialidade e presteza, que nos dão atenção e a retribui nosso afeto. Mas será que estamos dispostos a sermos educados, empáticos, cordiais e amorosos com aqueles que não tem e não irão nos oferecer absolutamente nada em troca? Será que estamos dispostos a nos doar afetivamente simplesmente porque percebemos que este crescimento é intransferivelmente pessoal? Boa vontade parece uma solução muito simples, mas ao mesmo tempo bastante complexa para colocar em prática.

Shirley Silva Costa
Psicóloga | CRP 07/27644

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