Sobre a romantização da maternidade

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Dizem que a maternidade é o sonho de toda mulher. Mas será, mesmo? Hoje pela manhã me deparei com uma reportagem de televisão que entrevistava uma celebridade nacional, que está grávida. Ela dizia, com entusiasmo, que a maternidade é algo divino, sagrado e lindo. Imediatamente me ocorreu a polêmica e as diversas manifestações contrárias PEC 181, que esteve em pauta no Congresso Nacional entre os meses de outubro e novembro desse ano. A PEC dá poder de decisão ao Estado sobre o direito de a mulher interromper, ou não, uma gestação proveniente de uma situação de violência. Pareceu-me muito contraditório. De um lado, uma celebridade nacional exaltando a maternidade como se fosse uma missão de vida e, por outro, um número incontável de brasileiras em busca do direito de decidir sobre si mesmas.

A maternidade tem sido assunto postergado para a grande maioria das mulheres, para depois dos 30 anos. O maior nível de escolarização, a profissionalização, a independência financeira e a desigualdade de gênero parecem ser alguns dos principais fatores que justificam tal fato. E, convenhamos, não é para todas as mulheres que a gestação e o pós-parto são momentos mágicos, como os meios de comunicação costumam colocar. A notícia da gravidez, quando indesejada ou não planejada assusta e muito! Em atendimentos de psicoterapia, especialmente quando atendemos aos pais de crianças em tratamento, é comum - mais do que se imagina - mães afirmarem que seus filhos não foram desejados. E que, inicialmente, lhes ocorreu a possibilidade do aborto.

Gestações podem ser complicadas e, tantas outras vezes, mães que trabalham precisam consultar seus superiores se uma gravidez será viável, considerando o momento da empresa e de suas carreiras. Uma licença maternidade, que precisa ser somada às férias e ao banco de horas mais alguns feriados prolongados, para que possa ser estendida ao máximo, parece desesperadora quando o bebê, entre quatro e cinco meses de idade, ainda demanda cuidados e olhares extremos dos pais, primordialmente o da mãe. Por mais "tranquilo" que se diga a passagem do conforto e segurança do lar para o berçário, arrisco afirmar que não existe uma mãe sequer que não tenha se sentido culpada ou preocupada ao deixar seu filho, ainda bebê, aos cuidados de terceiros.

Outro fator muito comum e, obviamente pouco explorado pelos meios de comunicação, diz respeito ao aumento exponencial de bebês que nascem prematuros. Em uma sociedade extremamente ansiosa, onde a cada cinco minutos lhe perguntam "quando irá nascer", além do estresse do trabalho, da rotina e das preocupações, aumenta-se o número de mulheres que passam por gravidez de risco. A interrupção torna-se urgente para a sobrevivência de mãe e filho. Os cuidados com bebês prematuros é redobrado e a fragilidade emocional dos pais é proporcional.

São mães e pais que não terão a oportunidade de dar a primeira papinha, não estarão presentes na impaciência do nascimento dos primeiros dentes, não presenciarão os primeiros passinhos e nem ouvirão as primeiras palavrinhas, porque todos esses momentos marcantes do primeiro ano de vida da criança acontecerão dentro de uma creche, bem longe dos olhos dos pais. Estes, por sua vez, tentarão compensar todos esses momentos tão importantes na formação de um indivíduo, através de presentes, de permissões excessivas e de culpabilização pela ausência.

Não quero dizer que mulheres que desejam ser mães devam voltar para o ambiente doméstico e abrir mão de todas as conquistas, em detrimento da maternidade. Mas meu objetivo é levar à reflexão sobre uma maternidade romantizada, na qual a mulher se vê obrigada a não demonstrar suas fraquezas, inseguranças e medos pelo simples fato de ter se tornado mãe. Estou falando de mulheres tão reais quanto aquelas que tiveram uma ótima experiência de maternidade, mas que entraram em depressão quando receberam a notícia da gravidez, ou quando se deparam com as dificuldades do pós parto, ou que perderam sua identidade ao serem chamadas de "mãezinhas" pelos profissionais de saúde. Mulheres que enfrentam diariamente uma sociedade conservadora, que idealiza a maternidade e desconsidera o ser humano existente anterior à condição maternal.

Ao final da reportagem que citei no início do texto, imaginei a quantidade de mulheres que se sentiram ofendidas pela ilusão sobre a maternidade propagada por aquele veículo de comunicação. Antes de julgar, faz-se urgente colocar em ato a empatia. A realidade da maioria das mulheres atualmente, assim como seus desejos, não são universais. Há de se respeitar suas decisões e, sobretudo, suas vidas.

Shirley Silva Costa
Psicóloga | CRP 07/27644

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