Atravessando o luto como uma onda no mar

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Fim de relacionamento não é nada fácil. Todo mundo, alguma vez na vida, já experimentou o fim um namoro, casamento ou já perdeu uma pessoa muito querida. Pessoalmente, pude vivenciar tais perdas, assim como acompanhei amigos que atravessaram longos dias de tristeza e sofrimento ao terminar uma relação ou perder um emprego. A boa notícia é que passa! Mas percorrer esse caminho não é tão simples assim.

Gosto muito de fazer referência à música "Como uma onda no mar", de Nelson Motta e Lulu Santos (1983), quando se trata das intempéries da vida. Se pudéssemos visualizar as fases do luto em um gráfico, elas seriam como uma onda, na qual seu ponto de partida é sempre diferente do ponto de chegada. Afinal, "nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia". A letra da canção segue afirmando que "tudo passa, tudo sempre passará", à medida em que vivemos corajosamente cada uma dessas fases. E para ter coragem para atravessar "ondas" de emoções - tristeza, raiva, melancolia, etc. - é necessário estar aberto ao aprendizado e crescimento pessoal. Quando passa, você se sente mais fortalecido, mais experiente e preparado para as próximas ondas que virão "num indo e vindo infinito".

O luto, que é o período no qual nos sentimos para baixo e deprimidos em decorrência de uma perda importante foi estudado pela psiquiatra e pesquisadora Elisabeth Kübler-Ross (1926-2004). Ela descreveu cinco fases percorridas ao longo do luto e compreendê-las poderá nos ajudar a lidar com emoções e sentimentos próprios desse período. Seguem abaixo.

1) Negação

É quando você recebe a notícia de que seu melhor amigo morreu, mas não aceita o fato. Você vai ao enterro, chora, mas não acredita no que está acontecendo, como se estivesse em choque, como se tudo aquilo fosse um sonho ruim do qual você quer muito acordar.

É aquele momento em que você não quer acreditar que seu namoro ou casamento acabou. Vocês são dois estranhos dividindo a mesma casa. Os interesses individuais prevalecem aos interesses comuns do casal, cumpre-se uma tabela, uma rotina. Há pouco diálogo, não existe mais vontade ficarem juntos, não há mais admiração nem reciprocidade. Mas, mesmo assim, você acha que está tudo indo bem e que nada mudou.

Ou é quando, mesmo após uma demissão e sem renda, você continua agindo como se tivesse sido promovido. Segue fazendo os programas culturais, parcelando compras e viagens, frequentando lugares caros, como se nada acontecera.

2) Raiva

É quando as coisas saem do controle. Você tem raiva do seu amigo que morreu porque ele foi egoísta; porque, no fundo, você sabia que ele não gostava tanto de você assim. Você tem raiva, porque fora seu melhor amigo. Sacrificou algumas noites porque ele queria conversar e até o acompanhou em uma balada chata, só para ele ir atrás de uma moça. Você sente que o fato de seu amigo morrer foi uma baita injustiça, que você não merecia.

Você tem raiva do seu companheiro (a) porque ele (a) se aproveitou de você, de sua família e de todos os anos que viveram juntos. Ele (a) só lhe explorou! Raiva, sim e com razão, porque você lhe foi fiel durante todo esse tempo e ele (a) só pensava em agradar a si mesmo e aos amigos. Você sente raiva porque abriu mão daquele curso importante, só porque ele (a) estava enfrentando uma barra no trabalho e não podiam aumentar as despesas. E sente raiva por ter que engolir a sogra se intrometendo na relação e o cunhado chato, que sempre pedia dinheiro emprestado.

Por fim, a raiva surge quando chega a fatura do cartão de crédito, mas o salário não caiu na sua conta. Justo você, que sempre foi um bom funcionário, cumpria o horário, batia todas as metas. Raiva pelas horas extras de final de ano, pelas férias prorrogadas, por cobrir as atividades do colega que pediu licença porque ficou doente. E você continua sentindo raiva pelos colegas que permaneceram na empresa, pois você não mereceu a demissão.

3) Barganha

E, então, você começa a olhar para si mesmo e pensar: "até que as coisas não são tão ruins assim". Você e seu amigo passaram bons momentos juntos, alguns melhores que outros, mas você irá se esforçar para ser um amigo melhor para os demais que ainda possui, afinal, "o que passou, passou".

Ok, está certo que a relação já acabou há um bom tempo, aceitamos os fatos. É o momento em que surgem frases do tipo: "nunca mais eu me caso novamente", "não quero saber de homem (ou mulher) tão cedo", "homem é tudo igual", "mulher só dá trabalho" e o famoso "não estou a fim de relacionamento sério, agora só quero festejar".

Ou, então, você se dá conta de que aquela empresa não era tão boa assim, existem melhores. Que há empregos com salários mais altos, mais perto de casa. Que deve ser mais colaborativo, contribuir com meus conhecimentos técnicos e ser menos competitivo.

4) Depressão

Essa é a fase em que a ficha cai de verdade. Você sente uma tristeza profunda, uma dor no peito, sem saber exatamente onde dói. Dói o sentimento. Afinal, vocês eram muito amigos e ele não estará aqui de volta para que possam dividir suas histórias. 

E aqueles belos dias de paixão e amor não voltarão mais a acontecer. As alegrias não serão mais divididas, restando somente a saudade dos primeiros anos de namoro. Não haverá mais quem troque a resistência do chuveiro ou aperte os parafusos da janela. E não haverá mais quem faça bolinhos de chuva, mesmo no verão, só porque você gosta. Não haverão mais viagens românticas, risadas de madrugada, nem mãos dadas domingo no calçadão.

Por fim, as contas já estão vencendo e você precisa encontrar uma forma de pagá-las. Não irá mais vivenciar o clima descontraído da hora do cafezinho, nem os almoços com o pessoal do escritório no dia do pagamento. Ficam a saudade dos conselhos do colega com quem você dividia a mesa e do segurança, que sempre lhe atualizava sobre os últimos gols do campeonato.

5) Aceitação

Vida segue! Guardo comigo as melhores lembranças do meu grande amigo. Escrevo-lhe uma carta, dizendo o quanto o amo; coisa que nunca consegui fazer enquanto estivera vivo. Tenho por meu amigo e por sua família um enorme carinho e deixo na memória a saudade e o desejo de que, onde quer que esteja, que esteja bem.

É hora de fazer as malas e partir. Dividir as contas, separar os discos, combinar o que será feito com a casa e quem cuidará dos gatos. É hora de seguir sozinho a daqui em diante, carregando no peito tempos gloriosos, mas também aquela pontinha de melancolia da relação que terminou. É hora de fazer as malas e ir embora não somente de casa, mas também do coração quem um dia foi seu único e grande amor. É deixar livre seu ex amor, para que ele (a) também possa sair de seu coração. Reparar os erros, assumir as culpas, deixar o tempo agir e as feridas cicatrizarem um pouco mais.

É hora de arregaçar as mangas e ir em busca de um novo emprego. Vencer a vergonha e orgulho para retomar o contato com os ex colegas de trabalho, pedindo-lhes indicações. É o momento de preparar o discurso da entrevista, oferecendo todo potencial de trabalho. Demonstrar que superou, que desenvolveu sua resiliência e que está pronto para novos desafios.

Obviamente, as cinco fases do luto não ocorrem sequencialmente como foram descritas. Na maioria das vezes, os sentimentos de cada uma delas se entrelaçam, despertando diversas emoções. A psicoterapia, aquela realizada por um profissional de Psicologia, auxilia na compreensão dos sentimentos, orientando para a melhor forma de passar pelo luto. Seguindo a analogia da canção, é como se o (a) psicólogo (a) ensinasse o paciente a "nadar" para, então, "surfar" nas ondas das emoções. Contudo, braçadas e pernadas ficam a cargo de quem pediu ajuda por estar "se afogando". O percurso é individual e tempo necessário para atravessá-lo estará de acordo com a disponibilidade de cada um.

Shirley Silva Costa
Psicóloga | CRP 07/27644

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